CINEMA ATUAL

21/08/2012

(o brasileiro sem dúvida, mas não só)

 

Li essa crítica de Raymond Berner sobre Jean Vigo e seu filme L’Atalante (que na época foi lançado com o título de Le Chaland Qui Passe por razões comerciais) no livro de Paulo Emílio. É um desses textos que podem ser aplicados a qualquer época. De forma muito simples ele fala da nossa maneira de nos relacionar com a arte (seus mistérios), de como acreditamos que ela deva se submeter a um ideal de perfeição que no fundo esconde a caretice instaurada nas nossas posições perante o mundo e, lógico, perante a arte.

 

Me parece que a situação de L’Atalante e a recepção que teve na época não é tão distante da nossa situação atual e da recepção dos filmes feitos por realizadores em seus primeiros longas. Acho que o texto do Berner deixa bem claro o que penso.

 

Ele começa assim:

 

Ora, meu Deus, não é uma obra-prima. Mas nem Chaplin, nem Lubitsch, nem Feyder realizaram uma obra-prima em seu terceiro filme ou, se preferirem, na sua primeira grande produção. E este é mesmo o drama dos jovens de hoje: eles não têm o direito de errar. Antigamente o público, menos educado, menos exigente, sabia se contentar com um mais ou menos: hoje, repleto de uma perfeição mais aparente que real, perfeição na mediocridade, já não admite certo ar de incoerência que às vezes não passa da expressão de um talento não totalmente maduro. Le Chaland Qui Passe, já que temos de chama-lo pelo seu novo nome, é um filme em que o talento explode a todo instante, de um jeito imprevisto, violento, desconcertante. O público fica desorientado por não encontrar ali a atmosfera fácil e perfumada na qual se move sem esforço. E vaia tontamente…

Houve quem só quisesse enxergar as atrapalhações meio pesada de algumas cenas, a falta de coesão do filme. Os defeitos existem, é incontestável, mas serão assim tão graves que tenhamos de condenar o todo sem apelação?

 

E aí ele termina com:

 

Esperemos que Jean Vigo filme em breve uma nova fita, na qual possa mostrar todas as suas qualidades, firmadas pela experiência.

 

Hoje sabemos que L’Atalante foi o último filme de Vigo e que, ainda assim, isso não impediu que ele (a posteridade) proclamasse seu lugar na história do cinema.

Não quero dizer que há Vigos em potencial entre os jovens realizadores aqui no Brasil. O que quero dizer é que a recepção dos filmes revela sempre mais de nós mesmos que dos filmes.

Por isso, lhes imploro humildemente (espectadores, historiadores, críticos, curadores, jornalistas e a quem mais interessar): não esperem dos filmes a perfeição, a clareza e a adequação, pois não é disso que eles são feitos.

Esperem sim que eles sejam excessivos, desajeitados, impulsivos, pulsantes, inacessíveis, incertos, tateantes, revoltados, instáveis, sensíveis, brutos…

E tenham a certeza de que aí também mora a poesia.

(Luiz Pretti)