NENHUMA FÓRMULA PARA A CONTEMPORÂNEA VISÃO DO MUNDO

04/06/2013

Por Remier

Conheci o Luís Alberto, vulgo Morris Albert, no final da década de 1980, quando frequentávamos diariamente a Cinemateca do MAM-RJ. Na época não falava com o Morris, porque ele vivia às voltas com um projeto de doc sobre o Alex Viany e isso me embrulhava o estômago. Eu já era um fanático seguidor do chamado Cinema de Invenção e, na minha visão de adolescente cinéfilo, o Alex não passava de um arauto do Cinema Novo, esse insaciável Galactus que devorou sem piedade o cinema brasileiro para cagar de volta essa coisa que chamam agora de audiovisual, mas que prefiro chamar mesmo é de ódio-visual. Com o passar dos anos, nosso desconforto mútuo em eventos oficiais dedicados ao “cinema brasileiro” (a versão deles) foi nos aproximando até que nos tornamos grande amigos. Apesar de até hoje me incomodar um pouco com o seu estilo hippie, superei meu preconceito e descobri uma das pessoas mais inteligentes e gentis que já tive a honra de conhecer.

 

Luís Alberto é um dos mais sérios e argutos estudiosos da história do cinema brasileiro em atividade hoje. E também um brilhante cineasta. Seu curta Que cavação é essa? (co-dirigido com Estevão Garcia) é uma jóia capaz de revelar até mesmo o oposto daquilo que supostamente quer mostrar – e talvez este segredo jamais seja completamente decifrado. Seu Legião Estrangeira é outro precioso retrato etnográfico da classe média brasileira, literalmente perdida entre os inócuos cursos de cinema e seus projetos de filme, quase sempre impossíveis e, quando realizados, geralmente intragáveis. Não há pedido que o Morris faça (dentro dos limites da decência) que se possa negar e, contrariando minha própria vontade, aceitei fazer uma ponta neste Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo. Talentoso diretor que é, Luís Alberto extraiu de completos não-atores performances 100% improvisadas e muitas vezes brilhantes (o que, com certeza, não é o meu caso).

 

Neste sentido, as grandes revelações do longa-metragem são Roman Stulbach e Alessandro Gamo. Em Nenhuma fórmula, Lulu de Barros, Nilo Machado e Billy Wilder se encontram para um chopp entre as ruas Hilário de Gouveia e Augusta. Merece atenção a incrível sequência em que a personagem principal, pobre escritora obrigada a abraçar uma missão muito mais que impossível, mergulha num torvelinho fantástico de referências e elipses, disparado a melhor coisa do filme depois das maravilhosas atuações de Roman e Alessandro. Esta sequência faz do Morris Albert, sem exagero, o nosso Jean-Luc Godard do Apa Hotel. Aliás, não é a toa que o diretor já conta com a sua própria Anna Karinne.

 

Nenhuma fórmula é a prova dos nove de que o cinema brasileiro não precisa de editais, Ancines, nem de Ministérios da Cultura, mas sim de criatividade, inteligência e iniciativa (qualidades que a ação reguladora do Estado tem o óbvio interesse em constranger). Esse modelo de cinema 100% controlado pelo Estado resiste como uma das grandes heranças malditas da ditadura civil-militar e, o que é ainda pior, tem se alastrado ao ponto de contaminar e gangrenar outras formas de expressão criativa no Brasil, como a música e o videogame. Este modelo de Ministério da Cultura que temos, nem de longe segue o francês e está mil vezes mais próximo do Ministério da Cultura Popular e da Propaganda de Mussolini. E, por falar nisso, vale lembra aqui o velho Maulraux: “O artista não é o transcritor do mundo, deste ele é o rival”.