PASSEANDO COM CAROLA BRECKER

10/06/2013

 

Por Marcio Melges

 

Há algum tempo penso em porque certos filmes me agradam. Cheguei à seguinte conclusão: alguns filmes têm onda. E é legal que esta palavra seja tão frequente no cinema, através das novas ondas. Ondas, waves, vagues, vlna, 波 etc.

            Acho que todo mundo concorda que é mais fácil sentir do que definir o que é onda. Mas se fosse fazê-lo, diria que é a capacidade do filme de te levar a algum lugar, de te apontar alguma coisa, de te dar prazer, de te mostrar que liberdade e poesia da vida possuem lugar no cinema e vice-versa.

            A sensação de que existe um ciclo, ou identidade entre esses aspectos da vida e do cinema, me fazem achar a existência bem mais agradável. Muito possivelmente essa qualidade não é só dele, mas de outras artes também, mas o cinema…

            David Hemmings jogando a bola de tênis imaginária no final de Blow Up tem onda. Anna Karina dançando em torno da mesa de sinuca em Vivre Sa Vie tem onda. Anna Karinne dançando com Roman Stulbach tem onda.

            Outros filmes não têm onda. Será possível quantificar essa onda? Se sim, lanço meu critério de classificação: flat (mar liso, sem ondas), marola, boas ondas, ressaca, e tsunami.

            Mas voltando à questão da onda… falei um pouco, de uma maneira “viajandona”, que aliás combina muito bem com a própria palavra onda. Mas como falar dela usando pelo menos um pouco do vocabulário do cinema?

Diria que talvez seja mais fácil definir pela negação. Não tem onda por exemplo filmes nos quais sentimos as páginas do roteiro sendo viradas, ou aqueles em que ouvimos o barulho do plot point caindo na sala de projeção

Não sou mais o cinéfilo de anos atrás, mas acredito que isso ocorra muito ainda hoje em dia. Como já ocorreu há muito tempo. Buñuel fabricou numa cartolina um quadro sinótico do cinema americano feito de colunas móveis (na primeira o ambiente, na segunda a época, na terceira os personagens principais etc.) que permitia – através do alinhamento desses dados – conhecer a história principal do filme. Ele conseguiu descobrir no primeiros cinco minutos de Dishonored, que a estrela (Marlene Dietrich) é fuzilada no fim do filme. Algo supostamente nunca visto antes, pelo menos no cinema americano.

Diz Buñuel (no livro Meu Último Suspiro) que perdeu esse documento, que ele mesmo qualificou de bizarro. Mas talvez esse brinquedinho pudesse nos ajudar a – logo de cara – identificar os filmes sem onda.

Mas será que a “onda” também tem uma fórmula? Será que ela é também um dos domínios da sequência de Fibonacci? Junto com alcachofras, abacaxis e samambaias?

NENHUMA FÓRMULA PARA CONTEMPORÂNEA VISÃO DO MUNDO (E AÍ, KARKOW? para os mais íntimos), é um filme leve-improvisado-fluído-descompromissado (sempre quis fazer um adjetivo tetracomposto como o de Glauber falando de Guerra nos anos 60: franco-moçambicano-luso-colonialista). Atores ótimos, espírito jovem, e uma câmera livre, feliz na sua natural busca dos enquadramentos.

Com direito a inspiração oswaldiana, referências godardianas e resnaisianas, tributos a Sganzerla e a Boca do Lixo, autofocus e o escambau, o filme é tsunâmico.

Como diz Carola Brecker conversando com a cachorrinha, “leva um tempinho para entender a linguagem”, mas existe um atalho: é só ter olhos de ver. Ou ainda: se soltar na onda do nosso peripatético diretor.

… “não desejo delirar mais do que já delirei”. (Werther, de Goethe).

Ah… o show de 70 anos do Jards no Circo também foi tsunâmico.