Livro Livre

17/06/2017

Abrir o mapa da cidade, conhecer seus nomes, medir distâncias, escolher pontos, juntar os cúmplices, dividir equipes, definir estratégias, traçar uma rede, marcar datas, concentrar as forças e só aí, lançar o corpo por entre a cidade, ir de um ponto a outro atualizando as linhas de estratégia, num mesmo movimento, invisível, com gestos mínimos. O artista como cartógrafo. Cem livros brancos, com cem páginas em branco, distribuídos em cem pontos da cidade, por dez pessoas divididas em cinco equipes. Para cada movimento um pequeno registro, cem vídeos de um minuto, em cada um, um livro deixado. Em cada livro uma mensagem, continue o livro, escreva, desenhe, deixe algo na superfície branca e depois deixe o livro, escolha um lugar e abandone-o. Continue o movimento do livro. Cem dias se passarão e cem pessoas poderão encontrá-lo e depois abandoná-lo novamente. Dez mil encontros e desencontros, dos quais só saberemos pelos vestígios deixados nas páginas em branco. Para o último encontro, um pedido, abandone-o neste endereço, não se diz o que é o lugar, apenas uma rua, um número e uma data. O artista como sismógrafo. Esse é o movimento do livro-livre. Mas há outro. O movimento dos cúmplices. O que fazer nesses cem dias? Esperar? É preciso continuar o movimento do livro numa outra série, criar um duplo do movimento das páginas preenchidas dia a dia. Para cada dia passado, um minuto de vídeo. Dez pessoas, produzindo a cada dia um vídeo de um minuto, durante cem dias. Dez vídeos de cem minutos. O artista como arquivista.

Há algo de profundamente romântico nesse gesto.  Arremessar algo ao mundo e esperar pelo eco, provocar uma variação, arriscar perder-se nessa variação, apostar que um gesto mínimo pode alterar a ordem do mundo, acreditar “que a vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros na vida”. Mas há também o prazer de um puro gesto e o encantamento com a possibilidade desse gesto, um arremesso.

Sim é preciso atravessar a cidade, distribuir os pontos. E de cada ponto achar a ponte para o arremesso. Mas qual o sentido do arremesso? Arremesso em direção ao “outro”, porque o outro é o próprio sentido desse arremesso. Um arremesso que começa sempre antes e só finda depois, uma prolongação do gesto, uma garrafa ao mar, um livro livre cuja única mensagem é o convite a um novo arremesso. Arremesso acrescido de uma nova dobra, pois todo livro é um livro de dobras que se desdobram em cada arremesso-livro. Um livro-arremesso que se desdobra em duas linhas. Uma que segue sempre e não sabemos nunca se volta, outra que já segue voltando, como se cada arremesso comportasse dois sentidos. Um que vai em direção ao “outro” e outro que volta em direção a quem fica.

O arremesso aciona duas séries. A primeira uma série louca, imprevisível, regida por Aion, senhor das intensidades e das bifurcações, a outra com as marcas de Cronos, senhor das distribuições temporais, deixadas como vestígios em cada vídeo realizado por cada um do grupo, dia a dia, durante cem dias. 

Da primeira série, que segue as derivas do livro, talvez nunca haja retorno, e talvez seja melhor assim, pois pesará sempre sobre quem volta a dúvida se a viagem foi longe o suficiente, chegando àquele ponto em que voltar é não ter arriscado ir mais. Aqui a perversão seria achar que o trabalho só se resolve se os livros voltarem. Cada livro arremessado rompe o Fio de Ariadne, e quando se rompe o fio, perder-se volta a ser a razão do labirinto. Teseu-livro não mata mais o Minotauro e sai glorioso, mas desaparece como o capitão Ahab, que nunca pôde evitar ir mais além, e ser devorado por Moby Dick, a imensa baleia branca. A questão aqui é se teremos uma narrativa possível a partir dessa viagem de onde não há regresso.  Esse foi sempre o dilema da narrativa, quem poderá narrar quando a viagem é sem volta. A narrativa da própria experiência sempre estará sobre suspeita, pois quem volta para narrar talvez não tenha ido o suficiente, mas como converter a experiência em narrativa se não há volta?  

Da segunda série, ou dos que ficaram no cais é sempre possível dizer que a viagem nunca é apenas dos que partiram, pois quem fica, continua e quem aposta no arremesso, aposta na volta do arremesso sobre si, como se a linha que volta nos levasse a continuar a história. A exposição que encontramos aqui traz a produção realizada nas variações dessa segunda série. Livro-dispositivo, que aciona linhas de fuga, de ruptura, de expressão.

No entanto há um convite que marca o início desta viagem, uma data marcada para a volta. Um desejo de ter nas mãos o livro-narrativa com os vestígios da viagem. Um jogo com o acaso, um desejo de aproximar as séries. Esta exposição celebra isso: o encontro com o imponderável, a alegria de inventar relações, de inventar a si e ao mundo. A vida como Livro-Livre.

-Não deixe a peteca cair! Diz o livro-arremesso-dobra-vestígio-dispositivo-livre.



































 


100 nomes para livro livre

1. zé albano
2. glaucia
3. ali
4. fred
5. danilo
6. maurizio
7. rubia
8. gra
9. robézio
10. mimi
11. valdinar
12. thais
13. ivo
14. bia
15. barbalho
16. solon
17. luiz
18. ricardo
19. lia
20. themis
21. ythallo
22. rui
23. armando
24. tarsila
25. uira
26. eduardo jorge
27. edu frota
28. ramon
29. pedrinho
30. wan
31. ceguinho
32. nana
33. marissol
34. papai
35. eri
36. mamae
37. valéia
38. alessandra
39. ticiano
40. thaisona
41. enrico
42. fatima
43. diana
44. leo (da lia)
45. rodrigo CL
46. firmino
47. silas
48. andrea bardawell
49. micheline
50. vaicunta
51. lia de paula
52. eugenio
53. silvania
54. milton
55. técio
56. sabini
57. yuri firmeza
58. ethel
59. jana
60. livia pacoty
61. zá araujo
62. akel
63. andré dias
64. morena cristal
65. lívia
66. pedro domingues
67. chico,
68. marquinho
69. salomão
70. anadia
71. euzébio
72. vitinho
73. marcelo santiago
74. fabiola
75. dustan
76. izadora
77. carlos augusto
78. picolé
79. gabi
80. julio lira
81. augusto cesar
82. natalia paiva
83. eveline
84. gile
85. genuino
86. erika
87. mari
88. manoel
89. diogo
90. pablo
91. tiaguinho
92. eduardo
93. rodrigo magalhaes
94. natecia
95. catatau
96. renan
97. vitor
98. guto
99. thais
100. grud
101. igor
102. andreznho
103. silvinha
104. lidu
105. ernesto
106. rosa primo