Meu Amigo Mineiro na internet

31/01/2013

 

na curva mais bonita da orla, fortaleza cintila e explode de vida. no cartão postal posso ler: te espero. o sol cálido me espera. garoupas, cavalas, tilápias, pescadas amarelas me esperam (elas esperneiam, mas a hora da morte está próxima). a índia com hálito mais fresco que a baunilha me espera. verdes mares bravios me esperam. o ocaso nas escorregadias areias das dunas me esperam. os letreiros do aeroporto afirmam com uma veemência assustadora: hapiness is here, mas está tudo deserto e posso ouvir o uivo ameaçador do aracati, que parece ter varrido aquele pedaço da cidade, sodoma e gomorra. welcome to fortaleza. vitor não está aqui, mas deixa todas as instruções necessárias: senhas alfanuméricas, códigos, chaves, indícios, conjecturas. está tudo bem, digo para mim mesmo. ainda que eu não acredite. ainda que um medo profundo do abraço obsceno dos velhos leões de dentes de marfim me paralise. olho para o lado e vejo a figura reconfortante de rachel. rachel está sempre ladeada por amigos. rachel está sempre sorrindo, sorrindo como quem diz não tema. aceno com cumplicidade, mas ela não corresponde porque não está me enxergando. rachel não está enxergando porque perdeu seus óculos, que agora estão expostos para a venda numa feira onde mercenários se reúnem aos domingos para negociar o preço de televisores, pássaros, antenas, cadeiras de couro, chás de cavalinha, certidões de nascimento. e os óculos de raquel. sento em frente ao prédio mais bonito daquele lugar. a senhora cabelos vermelhos me observa como se eu fosse um forasteiro vindo de lugares longínquos para profanar mulheres, dominar terras e bater carteiras. ela me joga um feitiço de efeito lisérgico e segue seu caminho. aperto os olhos e consigo enxergar o vulto de uma mulher que me olha fixamente. ela me ama e me odeia. sabe que vou abandoná-la, por isso canta, lânguida, careless whisper. o vulto de vitor, a moça de vestido azul, george michel, o vulto de vitor usando shorts, o gato de olhos amarelos, vitor tomando coca-cola, i feel so unsure, o vulto dos cabelos balouçantes de vitor, i’m never gonna dance again, vitor de olhos amarelos, o coqueiro que alcança a lua: miragens. agora é noite e estou sozinho no topo da cidade iluminada, penso. estou  sozinho no topo da cidade, repito, e vitor é apenas uma presença imaginária. vou tocar com meus dedos a andrômeda e a ursa maior. minha acrobacia possível, enquanto tento entender o coração de deus.

Joice Nunes

 

Assista ao filme AQUI!