“NENHUMA FÓRMULA PARA A CONTEMPORÂNEA VISÃO DO MUNDO” Por ALESSANDRO GAMO

31/05/2013

Numa época de falsos alardes e esperanças frustradas temos aqui um filme de superação de crises. Isto não é pouco! E não se trata de algo pautado por um final feliz ou conciliador, pelo contrário, os percalços que a protagonista Carola Brecker (excepcionalmente interpretada por Anna Karinne Ballalai) passa, atualizam qualquer conto de fadas. Em  sua viagem pela inóspita São Paulo, num passeio tão cheio de perigos e novidades, como nos bosques dos contos, encontra o sonhador e inquieto personagem de Remier Lion e o picareta e delirante Al Gazarra. No Rio se depara com o excêntrico personagem do diretor polonês Tadeusz Karkovski, sublimemente desenvolvido por Roman Stulbach, pessoa fora de série, recentemente falecido. Para ele Carola tem a incumbência de escrever 42 peças sobre o deus grego Pã – não à toa o responsável pelos bosques e rebanhos desgarrados.

Há no filme de Luís Rocha Melo a confiança no potencial da Arte nesse processo de superação. Mais que isto, a confiança no labor artístico como fonte de sentido. Mas, pautado pelo desencantamento do mundo contemporâneo, este labor é marcado pela exploração comercial-cultural, que se mescla, por vezes, com tons sexuais. Não é fácil para nossa escritora… É especialmente significativa a belíssima cena entre Carola e Tadeusz, na qual o diretor de teatro explica, num jogo sensual, a abordagem que busca através da ancoragem em imagens e iconografias do passado. É a ressignificação das imagens de arquivo e das histórias pessoais no triste conflito com a contemporaneidade.

Cinematograficamente Rocha Melo articula tudo isto com uma leveza impar. Realmente rara. E aqui vemos a presença no seu imaginário de dois mestres fundamentais: Godard e Sganzerla. Há a fragmentação narrativa sem esquecer do humor. Há a referência culta sem esquecer de sua contrapartida perversa. Há o diálogo com o momento vivido/filmado. A montagem do filme merece especial atenção pelos precisos recursos de construção que estabelece entre o espaço cênico ‘pirateado’ e o narrativo. O uso da música, seja incidental, ‘rasgando’ a imagem, seja na citação de “I’m singing in the rain” na interpretação adaptada de “Assim eu me enganei”, da qual sou cúmplice com Anna Karinne, dão ao filme um corolário especial, belamente utilizada pelo diretor.

Quando assisti ao filme comentei com o diretor como ele me fez recordar “O Desprezo” de J. L. Godard. Depois eu percebi que o impasse de ambos era o mesmo, com as respostas de suas épocas, geografias e biografias. Alguns destes pontos em comum eu tentei apontar aqui. Para viver a vida não temos nenhuma fórmula. O que resta é bola pra frente!

 

(Alessandro Gamo, Cineasta, professor do curso de cinema da UFSCar)