Notas

14/08/2012

 

Dizem que os cães vêem coisas.

 

1- Estamos diante de um filme musical: rigor de quadros que evidenciam a movimentação dos dançarinos, uma figuração ampla devidamente caracterizada para um efeito de variedade (nas cores, no ritmo e nas funções sociais dentro daquele universo) e o acompanhamento musical que dá a liga nessa variedade (num jogo muito interessante e sutil do som diegético com o não-diegético). 

 

2- Assistimos a procedimentos estéticos e técnicos próprios da ficção como movimento de grua, criação de atmosferas através da trilha, décor que beira o expressionismo, travelling, panorâmica em contra-plongée, câmera lenta com cores saturadas, etc.. Mas a sensação que tenho ao final do filme é que vi um documentário, um filme que me mostrou a realidade da forma mais direta, simples, crua e nua.

 

3- A 1a parte do filme é toda composta por tableaux vivants, não aqueles do século 18 anglo-saxão de William Hogarth, mas do século 21 cearense com direito a jacaré de plástico, bebê de coleira, o mesmo número de babás pra crianças, etc., proporcionando pra gente um belo exemplo de como a pintura e o teatro encontram inesperados caminhos no cinema. Nesse sentido, a ausência de personagens principais trás um lado brechtiano também inesperado.

 

4- Desconfio seriamente que o diretor desse filme sofre de licantropia. Já vi outros diretores serem acometidos por essa doença, alguns desses casos foram incuráveis.  

 

5- Como posso atingir a liberdade? Ao final do filme me coloco essa questão, embalado pela canção do rage against the machine. Penso em livrar-me de mim mesmo e de tudo ao meu redor, o céu que vi no começo do filme é um alento (apesar de terrível), um retorno às origens, mas o céu desaba e o rosto humano em toda sua fútil existência explode na tela. Se fosse uma criança não seria uma idéia de todo ruim me jogar à morte. Na infância o jogo com a morte é mais arriscado, descuidado, ansioso e próximo. Me parece que a criança está mais próxima do vácuo, do nada, enfim, da liberdade.  

 

(ricardo pretti)