Por que o Pluto estava lá?

08/06/2013

NENHUMA FORMULA PARA A CONTEMPORÂNEA VISÃO DO MUNDO

Por Pedro Henrique Ferreira

É fácil perceber em Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo os efeitos a la Godard – da montagem em choque às bricolagens pós-modernas (cartazes, letreiros, livros, imagens, mesmo uma instalação), da trilha sonora à modulação temporal (uma cena casual em um quarto pode ocupar metade da duração da obra), nas inúmeras pontas soltas da trama deixadas ao espectador. Em um primeiro olhar, os cacoetes da novelle vague vem à tona, mas não seria preciso ao menos coloca-los em perspectiva?

Há uma prescrição que Luís Alberto Rocha Melo deu a si mesmo: encenar sem que a vida pare. O que não significa registrar uma realidade, mas justamente confluir as escolhas dramatúrgicas com aquilo que está imediatamente à sua volta, usar o mundo como cenário. A proposta não está muito distante das determinações neorrealistas de Zavattini, até naquilo que envolve um meio de produção de baixo custo (a câmera digital, o mundo como cenário, os não-atores) e um meio de distribuição de baixo custo (a internet).

Também na fé que este gesto exige, isto é, a crença de que o olhar imediato tem algo de real: que filmar um papagaio, um mendigo, uma estátua de uma negra, um bicho de pelúcia de um cachorro que parece o Pluto em um camelô, dentre outros objetos que não cabem dentro da trama (e em níveis narrativos, criam pontas abertas), é na realidade um gesto verdadeiro simplesmente por que eles estavam lá. Na montagem, não se cria sentido com eles – deixe o sentido da realidade para o espectador – deixe ele fazer as conexões – decidir se o polonês tem haver com a negra, se o cachorro que parece o Pluto tem haver com o Mickey ou não – se as pontas do mundo real juntam com a trama e a encenação, ou se há aí um abismo. Isto é, se há ou não fórmulas para se ver o mundo.

É justamente esta soltura e improvisação pelas quais o longa-metragem anseia o que permite a aparição de uma figura tão profética quanto aquela encenada (encenada?) por Remier Lion, que sem mais nem menos surge na trama para, com uma voz de verdade, chamar a moça de “pamonha fresquinha”. A expressão invoca algo de ridículo, o tom de comédia burlesca tão caro a Nenhuma fórmula…; o sarcasmo de se colocar uma escritora como protagonista de um longa-metragem sem as formas de feitura do roteiro tradicional; a vivaz ironia, por um lado, de uma elite cultural no Brasil existir, e por outro, dos patetas (continuamos na Disney?) que sonham com o glamour dela. Se ao final, a mulher nos olha rompendo a diegése, não é por que, como no final de Acossado, um jovem se entregou à morte. É simplesmente por que aquilo tudo é engraçado, irônico – estão todos distantes do tal mundo que precisa, de alguma forma, mas sem fórmulas, ser visto.