RETRATO DE UMA PAISAGEM
24/11/2013
Pedro Diógenes, 34′, 2012
Ouvir o texto de Lefebvre enquanto voam na tela paisagens de fortaleza de um ângulo tão especial – está aí a primeira surpresa impacto do filme Retrato de uma Paisagem. E ouvir a beleza textual, com a beleza e força intelectual que o texto tem, somadas ao visual da cidade, as duas juntas, a confirmar-se. E o texto confirma pensamentos caóticos que pensamos sobre a vida na(s) cidade(s) onde vivemos. E as paisagens em fluxo confirmam o sentido de lutas que lutamos em fortaleza, contraditória, conflito vivo.
Depois, gradualmente, o mergulho no centro a nos tirar da viagem aérea, nos levando a uma nova surpresa, que desencadearia tantas outras. Performance mais que surpreendente. E num centro onde corremos, pois ele nos empurra e não podemos parar, só circular e penetrar algum estabelecimento e voltar a circular, movidos a energia solar. Nesse cenário destacam-se nas respostas às tentativas de diálogos inusitados os personagens não (tão) moventes do centro, os sedentários. Funcionários. Mas não só isso, não basta não está correndo para dar respostas a questões tão provocantes e profundas. É preciso ter alguma convicção para responder subitamente, ter um discurso moldado e pronto para entrar em ação, ou seja, ter a mente sedentária. Então, destacam-se as respostas tipo religiosas. E o trabalho como religião. A (anti)ética do trabalho que justifica tudo – é o meu trabalho: se reprimo, exploro, minto, mato, devasto, oprimo ou me escravizo – é o meu trabalho!
Mas como são diversos e variados os personagens do centro. O jovem que trampa vendendo na rua e só quer ser livre (e nem é o trampo que o impede) para rodar no mei do mundo, sua cidade – passe livre nele. O coroa segurança cheio de consciência crítica, libertário amargo, espírito livre oprimido – pedra no sistema por ele, pois já não adianta falar. As mulheres trabalhadoras com força no olhar. Personagens nas calçadas, lojas, praças e ruas a exibir carisma tão cearense, nos tocam, arrancam reações de nós. E ainda há tantos outros nas feiras buracos quebradas do centro.
E me comprazo em ver a harmonia do texto de Lefebvre com minha cidade. Como combina ouvir “A intervenção massiva dos interessados mudaria a situação” em pleno parque das crianças, onde durante anos a fio reuníamos militantes do mcp nos bancos e mesas de cimento, ônibus perto pra todos (bairros variados), até que um morador de rua, engajado no movimento de moradores de rua, nos vendo ali toda segunda, ofereceu a sede do movimento deles para reunirmo-nos – durante esses anos, bem uns quatro, só vi um assalto lá, ou seja, é o discurso do medo que esvazia os espaços públicos e não a violência em si. Pode ver, quem não tem medo está lá numa boa, mó relax, ouvindo o maluco gritar “A intervenção massiva dos interessados mudaria a situação” e até viajando na viagem.
A cidade pulsa, é só reparar, bloco pulsante na praça a acolher o passante, e a câmara nos fazendo passear…
Por nos presentear com tudo isso, valeu Pedro. Retrato de uma Paisagem é um regozijo para todo fortalezense que sente o pulsar da sua cidade. E a gente vê e dá vontade de vê mais desse universo, dessa estética, desse estilo. Que venham mais retratos, queremos e precisamos.
Igor Moreira.