Semana Santa em Cartaz

17/04/2014

 

A encomendação da Alma no feriado nacional
A construção da simplicidade heterogênea e referencial em Semana Santa.
por Julio Cruz

 

“Odoiá, Iemanjá!”
– Lucas Fainblat

Um filme episódico, que passa disso e se torna uma narrativa só. Um processo de readequação de corpos, que passa disso e se torna um único tronco. Um cinema proposto na honestidade dos processos, mas que passa disso e constitui um ensaio sobre a subversão desses mesmos processos. A interação com o objeto filmado e a invasão dele é inerente. A concepção de uma fita longa que se fixa num cinema libertário, que condiz com a simplicidade do fazer cinematográfico e fundamenta uma nova figuração de cinema. O tiro vai do passado ao presente, instruindo o cinema brasileiro naquilo que ele já foi. Jovem, feliz, crítico, cínico, indumentário, carnavalesco, adulto, anárquico, sacro, subversivo.

Semana Santa funcionaliza o feriado em seus três dias em diversidade de pontos de vista. Semana Santa: Ensaísta rebuscado subvertendo a história marginal do cinema brasileiro, indo da imagem sacra, de O Pagador de Promessas ao processo documental intervencionista, colocando a imagem dos diretores e equipe, o próprio cinema, em contato direto com o ritual da paixão de cristo, tirando um caldo estranho por proposta, por vontade de ser. Os olhares das câmeras são apontados e daí sai o material divertido e diversivo da fita longa da El Reno, ao propulsionar um documentário em um dos episódios, em que a modificação do ritual vem pela própria intervenção. E é daí que vem a primeira linha de debate. A figura da câmera, do cinema, já subverte as imagens sacras. Até que ponto o sacrilégio vai? O cinismo se propulsiona e o extrato do material responde. O corpo é pregado na cruz, e a encomendação da alma cai na estranheza após a longa caminhada. É a cinematografia brasileira que recai com o seu olhar e se identifica na precariedade e na estranheza que culmina na visão de Samuel Marotta e Leonardo Amaral.

Da Paixão de Cristo encenada em Dores do Turvo, o longa caminha e se debate no tapete da união entre duas figuras antagonistas. A sacristia e a sexualidade se encontram e rolam no tapete do apartamento, quando a encenação passa. Não é necessário o discurso; o silencio impera e apenas os gemidos se impulsionam. A área do encontro do olhar dos diretores fixa o que é sacro numa irresponsabilidade e a insurgência das figuras encontra seus limites e se força contra eles. Freiras são homens, Cristo brinca despreocupadamente com seu executor, a festa maior acontece na alta cúpula do cardeal, e a diversão é o que toma conta depois do olhar sério e respeitoso que a encenação ritualística da Paixão de Cristo demanda.

A suruba então se torna algo natural. Os corpos já tiveram suas almas encomendadas, já se refestelaram e agora os corpos vão atrás do prazer carnal. É a história do cinema brasileiro sendo tencionada em uma piscina, mas a tensão é só histórica. O interesse no final do processo da quaresma é de saciar a carne. Nisso vem a curva do rio, o momento histórico. A representação de um Brasil carnavalesco e de pornochanchada toma a tela. O único compromisso do filme é com a brasilidade. O único amor monogâmico é o cinema brasileiro. O único compromisso estético é com a precariedade. E tudo isso estratifica nessa fita longa de Marotta e Amaral em um grande descompromisso cinematográfico compassado na brasilidade.